Estigma e Sofrimento

Cristiane Beckert
No contexto social e psicológico, o termo estigma se refere a uma marca, característica ou reputação que leva uma pessoa ou grupo a ser visto de forma negativa e desvalorizada pelos outros. Essa marca, que pode ser visível (como uma deficiência física) ou invisível (como uma doença mental), desvia o indivíduo do que é considerado “normal” ou socialmente aceitável em uma determinada cultura.
O sociólogo Erving Goffman, em sua obra “Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada”, aprofundou esse conceito, definindo o estigma como uma discrepância entre a identidade social virtual (o que se espera da pessoa) e a identidade social real (o que a pessoa de fato é). Essa diferença faz com que o indivíduo seja desacreditado e transformado de uma pessoa “completa e ordinária” em alguém “manchado” e “inferior”.
A manifestação do estigma, em suas diversas formas – seja por características físicas, doenças, condições sociais, etnia ou orientação sexual – não é apenas um fenômeno sociológico, mas um potente catalisador de trauma e sofrimento psicológico, tanto em nível macro-social quanto nas micro-interações familiares.
Em uma escala macro, o estigma institucionalizado e culturalmente arraigado pode levar à marginalização sistemática. Indivíduos ou grupos estigmatizados frequentemente enfrentam barreiras intransponíveis no acesso à educação, saúde, emprego e justiça. Essa privação de direitos e oportunidades gera um ciclo vicioso de desvantagem, perpetuando a exclusão e corroendo a autoestima. A constante exposição a preconceitos, discriminações e atitudes desvalorizantes pode resultar em estresse crônico, contribuindo para o desenvolvimento de transtornos como depressão, ansiedade e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O “estigma internalizado” é particularmente insidioso, onde a pessoa estigmatizada assimila as visões negativas da sociedade sobre si mesma, levando à autodesvalorização e, em casos extremos, à autolesão.
No ambiente familiar, o estigma se manifesta de maneiras igualmente devastadoras, embora muitas vezes mais sutis e complexas. Quando um membro da família é estigmatizado, seja por uma condição de saúde, uma deficiência ou uma identidade social não convencional, a dinâmica familiar pode ser profundamente alterada. Há algumas manifestações comuns:
- Vergonha e Culpa: Familiares podem sentir vergonha ou culpa em relação ao estigma do parente, resultando em segredo e isolamento social da unidade familiar. Isso pode gerar um ambiente de negação e falta de apoio, onde o sofrimento do indivíduo estigmatizado é minimizado ou ignorado.
- Rejeição e Afastamento: Em casos extremos, o estigma pode levar à rejeição e ao afastamento por parte dos próprios familiares. O medo do julgamento social ou a dificuldade em lidar com a diferença podem fazer com que laços afetivos sejam rompidos, privando o indivíduo de um dos pilares mais importantes de suporte emocional.
- Sobrecarga e Esgotamento: Cuidadores de indivíduos estigmatizados (especialmente em condições crônicas ou deficiências) podem experimentar sobrecarga física e emocional, contribuindo para o esgotamento (burnout) e problemas de saúde mental, sem o devido reconhecimento e apoio social.
- Trauma Vicário: Familiares podem sofrer “trauma vicário” ao testemunhar e absorver o sofrimento e a discriminação enfrentados pelo ente querido estigmatizado. A dor da injustiça e da impotência diante da opressão pode ter um impacto psicológico significativo.
- Comunicação Disfuncional: O estigma pode gerar padrões de comunicação disfuncionais, onde certos temas são tabu ou há uma constante necessidade de “proteger” a reputação familiar, impedindo uma expressão autêntica de sentimentos e necessidades.
O estigma, analisado pela ótica goffmaniana, revela-se como uma força social poderosa com consequências psicológicas e sociais deletérias. Seja na esfera pública ou na intimidade do lar, a marca do estigma não apenas deteriora a identidade, mas também produz um profundo e duradouro sofrimento, exigindo uma abordagem multifacetada que inclua a desconstrução de preconceitos, a promoção da empatia e o fortalecimento de redes de apoio para aqueles que carregam essa carga. A psicoterapia desempenha um papel crucial no auxílio ao sofrimento causado pelo estigma, atuando em diversas frentes para mitigar seus impactos psicológicos e promover a resiliência. O processo pode ajudar o indivíduo a passar de uma posição de vítima para uma posição de agência, onde ele se sente capaz de influenciar sua própria vida e, talvez, até mesmo desafiar o estigma em um contexto mais amplo (seja por meio de ativismo ou simplesmente vivendo uma vida plena).