Meu primeiro contato com a psiquiatria se deu muito antes de me dar conta. Na infância, notava que a minha avó passava horas tomando banho e limpando sua casa. O que parecia ser um excesso de zelo, provavelmente se tratava de um quadro de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) não tratado. Às vezes ouvia um parente ou outro tocar disfarçadamente na história de um tio que nem cheguei a conhecer, médico cirurgião muito renomado em sua cidade, mas que infelizmente cometeu suicidio durante o que reconheço hoje ter sido um episódio depressivo psicótico grave. Na época, final dos anos 1980, o tabu e a falta de informação a respeito dos transtornos mentais era grande, mesmo dentro da comunidade médica, o que definitivamente deve ter atrasado muito o acesso a um tratamento precoce adequado.
Aos meus sete anos de idade, já no início dos anos 2000, em mais um evento desafortunado, meu pai sofreu um assalto a mão armada e acabou por abrir um quadro de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) que, posteriormente, desencadeou um episódio depressivo grave. De novo, o acesso atrasado a um tratamento psiquiátrico de qualidade definitivamente deve ter sido um dos principais responsáveis pela deterioração do quadro. Felizmente, dessa vez o desfecho foi bem diferente. Achamos um bom psiquiatra e depois de relativamente pouco tempo, o resultado terapêutico foi impressionante! Meu pai finalmente voltou a ser quem era!
Na adolescência, comecei a me interessar pela medicina, principalmente por influência dos meus pais, ambos médicos pneumologistas e intensivistas. Frequentemente os ouvia discutindo casos clínicos de seus pacientes, o que me fascinava.
Aos 17 anos, logo após terminar o ensino médio, fui aprovado na faculdade de medicina da USP. A sensação de conquista e de êxtase foi inevitável. No entanto, conforme os anos iam passando, acabei me dando conta de que talvez a área clínica da medicina não me interessava tanto quanto imaginava. Por algum tempo, passei a questionar o meu futuro como profissional, sem se dar conta das inúmeras possibilidades que a medicina poderia oferecer. Somado a isso, comecei a me sentir cada vez mais sobrecarregado com a rotina extenuante típica das faculdades de medicina.
Depois de um tempo de reflexão, após concluir o terceiro ano, optei por trancar a faculdade. Na mesma época comecei a fazer terapia. O que parecia inicialmente ser apenas uma ferramenta de manejo de crise, mostrou-se uma importante forma de promoção do autoconhecimento. Também me consultei pela primeira vez com um psiquiatra, que foi crucial naquele momento. A partir daí, comecei cada vez mais me interessar mais pela área, tanto pela curiosa e fascinante interface da neurobiologia com a psique, quanto pelo encontro com uma figura profissional com a qual eu pude me identificar e espelhar. Passei a reconhecer o sofrimento psíquico como tão ou até mesmo mais importante que o sofrimento físico.
Já no final da graduação, durante o período do internato, o estágio de psiquiatria e o contato com os pacientes só confirmou o que naquele momento já sabia: eu seria psiquiatra!