Relacionamento abusivo
Você já se perguntou por que uma pessoa tão inteligente e segura poderia não sair de um relacionamento abusivo? Por que ela nem tenta sair dele e permanece naquele estado? Uma das teorias para explicar isso é o desamparo aprendido.
O Desamparo Aprendido é um conceito da análise comportamental (uma área da psicologia que adota experimentos) em que a pessoa deixa de tentar sair de uma situação que lhe faz mal por achar que não tem controle sobre essa situação. É o que a gente chama de “passividade”. A teoria foi criada inicialmente com um estudo em cachorros, mas depois foram feitas várias análises com pessoas que se comportaram da mesma forma.
Um pouco sobre esses estudos para poder ilustrar
Pessoas foram divididas em três grupos. Em um primeiro momento, as pessoas do grupo A e B foram colocadas uma por vez em uma sala com barulho muito intenso. As do grupo C ficaram em uma sala sem barulho nenhum. As do grupo A perceberam que, se apertassem um botão, o barulho parava. Nas do grupo B, nada que fizessem parava o som, nem mesmo o botão.
Em um segundo momento, as pessoas dos 3 grupos foram colocadas individualmente em uma sala com barulho. Ao passar uma mão de um lado para o outro, o barulho parava. As pessoas do grupo A e C tiveram a iniciativa de tentar fazer isso, e as do B não fizeram nada para tentar parar o barulho. Ao perguntar a elas o porquê, elas disseram “não funcionou da última vez, por que tentar?”
A conclusão inicial foi que, em uma situação ruim, a pessoa parte sempre do princípio que pode sair dela, mas ao tentar e ver que não funciona, ela desiste. Mas depois se descobriu que é o contrário.
Para quem não entendeu nada e quer pular para a conclusão:
Em situações aversivas (que fazem mal), as pessoas reagem “de fábrica” à paralisação. Elas ficam ansiosas, com dificuldade para fugir e com piora da ansiedade.
Algumas pessoas, após um tempo, passam a explorar a situação e testar algumas formas de controlar a situação. Caso isso funcione, se ela repetir essa reação e der certo várias vezes, ela passa a criar confiança de que ela pode controlar a situação. Nesse caso, a ansiedade, o medo e passividade melhoram. A partir disso, mesmo que a situação não tenha mais saída, elas ainda têm esperança.
Caso tentem e nada dê certo por muito tempo, elas passam a acreditar que não há nada a ser feito e se tornam passivas.
Então o principal envolvido nisso é a repetição. Quanto mais tempo o indivíduo está envolvido na situação que não controla, menos força tem de sair por acreditar que não há saída.
O que isso tem a ver com o relacionamento abusivo?
Isso quer dizer que as pessoas que estão dentro de um relacionamento abusivo estão reagindo como previsto. Com medo e paralisação, sem acreditar que podem controlar a situação. Quanto mais tempo passam por isso, menos acreditam que podem e menos tentam. Por mais que terceiros consigam visualizar uma situação cada vez pior, acreditando que “dessa vez a relação vá ter um fim”, a tendência é que a relação continue. E assim, só as pessoas que estão do lado de fora acreditam que as vítimas podem sair dessa.
A boa notícia é que é sim, é possível mudar tudo isso. Você que está de fora sabe disso. Mas precisamos fazer a vítima acreditar em uma nova realidade. O trabalho aqui é fazê-la entender essa dinâmica que a faz acreditar que não controla as coisas. Se isso fizer sentido, a vítima começa a ter esperanças de que isso pode mudar, e assim ela pode trabalhar para fazer isso acontecer. É uma questão de perceber que, por mais que ela não controle seu parceiro, ela mesma pode controlar sua própria vida, e decidir se quer ou não viver assim.
Ela precisa perceber que há muitas coisas na vida que são controláveis por ela, e assim passar a acreditar nesse poder do controle. Acreditar é um aprendizado. Ninguém nasce sabendo. As pessoas que não estão em relacionamentos abusivos tiveram mais oportunidade de testar situações e acreditar no controle de suas vidas.
Tudo começa com uma capacidade de imaginar a possibilidade de se ver livre das brigas com o parceiro. Imaginar-se fora dessa realidade é muito difícil sozinha. É importante começar a aumentar as situações em que a pessoa faz coisas sem ele. Por isso que o contato com amigos e familiares é importante. E falar sobre outras questões não relacionadas ao relacionamento ajuda mais do que opinar sobre ele.
Todo esse trabalho de possibilidades merece um acompanhamento em saúde mental, para que ela sinta que há um ambiente neutro, com uma visão de fora onde ela pode retraçar sua história para assim ter mais chance de entender o que está acontecendo e saber que pode escolher o que quer para seu futuro.
Concluindo, a pessoa que está em um relacionamento tóxico não está pensando como você que está fora dele. Ela tentou muitas vezes controlar a situação e não conseguiu, e assim desistiu de tentar. Para conseguir acreditar na possibilidade novamente, ela precisa imaginar outras situações em que ela tem controle, para depois tentar novamente no âmbito de seu relacionamento. Ajude-a a encontrar situações não relacionadas ao parceiro para auxilia-la a acreditar. Recomende um profissional de saúde mental para potencializar a situação. É possível, mas precisa de trabalho, tempo e apoio.
Se precisa de ajuda ou está com dúvidas, não deixe de se consultar com profissionais que podem te ajudar.