Quando é o corpo que pede ajuda: você sabe o que é CNEP?
CNEP é o acrônimo para Crises Não-Epilépticas Psicogênicas. Mas o que seria isso? Trata-se de um transtorno psiquiátrico caracterizado por crises recorrentes que se assemelham às crises de epilepsia – ou seja, podem apresentar episódios transitórios de abalos nos braços e/ou nas pernas, movimentos em mãos e/ou pés e/ou face, perda de consciência, modificações no comportamento, entre tantas outras possíveis manifestações corporais involuntárias. Entretanto, enquanto na epilepsia tais alterações são decorrentes de descargas elétricas anormais no cérebro, na CNEP elas se devem ao funcionamento anormal do psiquismo.
Talvez você se questione nesse momento: mas o que o psiquismo tem a ver com manifestações no corpo? A resposta é simples: tudo. Nosso modo de pensar herdou muito do filósofo René Descartes (1596-1650), sendo que uma das hipóteses trabalhadas em sua vasta obra é o dualismo. O dualismo defende uma separação entre mente e corpo, com apenas alguns pontos de interação entre ambos. Todavia, os avanços mais recentes no conhecimento humano têm colocado em xeque tal hipótese, demonstrando como mente e corpo são aspectos indivisíveis da totalidade do ser humano.
Nesse sentido, o filme “Thelma”, do diretor norueguês Joachim Trier, se mostra fascinante. Ele retrata a história de uma tímida jovem que se muda para capital para estudar, deixando seus pais e sua antiga casa no interior. A jovem começa então a trilhar um caminho de autodescoberta e construção de sua identidade, se defrontando com novas experiências, novas aprendizagens e questionando aspectos mais antigos de sua personalidade. Contudo, ao longo desse caminho, ela começa a apresentar convulsões, que necessitarão de uma investigação médica.
O diagnóstico de CNEP é comumente desafiador, sendo muitas vezes pouco conhecido ou compreendido entre médicos não especialistas. Estudos mostram que a cada 100 mil habitantes, 2 a 33 são portadores de CNEP. Entre aqueles que são encaminhados para avaliação de epilepsia refratária ao tratamento, os dados revelam que 10 a 20% são na verdade portadores de CNEP e não de epilepsia. A diferenciação entre esses dois diagnósticos é fundamental para evitar o uso de medicações inadequadas e a realização de procedimentos desnecessários. Porém, o diagnóstico pode ser ainda mais complexo quando se sabe que CNEP pode também estar presente em 5 a 10% dos portadores de epilepsia.
Desse modo, quando houver suspeita de CNEP, a avaliação deve ser realizada por um médico especialista, de maneira minuciosa e completa. Tal qual o filme “Thelma”, o foco não deve ser exclusivamente no sintoma, mas abranger a totalidade do indivíduo e sua história. O tratamento não requer medicações antiepilépticas como na epilepsia e o acompanhamento deverá ser individualizado – podendo envolver, por exemplo, orientações ao indivíduo, orientações para a família, psicoterapia individual, psicoterapia familiar e o tratamento de quadros depressivos e ansiosos, que com elevada frequência costumam estar presentes.
Sugestão Cultural: Thelma (2017), do diretor Joachim Trier.
Referências: Asadi-Pooya AA, Sperling MR, Epidemiology of psychogenic nonepileptic seizures, Epilepsy Behav (2015).