Phineas Gage: sua trágica história e imensa contribuição
Em meados do mês de Setembro de 1848, um trágico acidente com um operário em uma ferrovia nos Estado Unidos viria à ser uma grande contribuição para a neurociência e para os avanços nos estudos sobre a influência do cérebro no comportamento e nas emoções.
Era mais um dia de trabalho para Phineas Gage, enquanto manipulava um composto explosivo para realizar uma pequena detonação, ele utilizou uma barra de ferro para socar a mistura quando ocorreu a explosão, tragicamente a barra de ferro acertou o seu rosto, perfurou o olho esquerdo e transpassou seu crânio. Segundo consta nos registros da época, Gage perdeu a consciência por alguns instantes, foi atendido no local por um médico que prestou os primeiros atendimentos.
Apesar da gravidade da lesão o improvável aconteceu, Gage ainda no local do ocorrido, recobrou a consciência e surpreendentemente “foi capaz de conversar e até andar” (Damásio et al, 94).
Gage não era mais Gage:
Essa era a frase que algumas pessoas próximas usaram para descrever a drástica mudança de personalidade e comportamento de Gage após o acidente, antes ele era descrito como responsável no ambiente de trabalho, assíduo, disciplinado quanto às regras e condutas sociais. Então o que teria ocorrido com Gage?
Foi observado que aspectos gerais da sua inteligência, como habilidade linguística, aprendizagem, raciocínio matemático estavam intactos, em contrapartida, sua personalidade sofreu mudanças profundas e irreversíveis.
Relatos da época descreveram que Gage passou a apresentar comportamentos sociais inadequados, tornou-se grosseiro, desrespeitoso, irresponsável, com importante dificuldade de planejamento e para o controle das emoções. Acabou perdendo o emprego por indisciplina, não conseguiu manter-se estável em trabalhos posteriores, chegou a trabalhar como atração de circo.
Gage faleceu treze anos após o acidente. Muitos anos depois da sua morte, foi exumado a pedido do doutor John Harlow que acompanhou Gage após o acidente, seu crânio foi preservado e reconstruído décadas depois para estudos.
Lobos frontais: Para que servem ?
A grave lesão que acometeu Phineas, foi localizada nos lobos frontais (direito e esquerdo) na região do córtex pré frontal, até então em meados do século XIX, muito pouco sabia-se sobre essa região e da sua correlação entre mente, comportamento e emoções.
Com o passar dos anos, novas e importantes descobertas surgiram, graças ao avanço da tecnologia novas ferramentas como por exemplo o exame de neuroimagem, no qual é possível verificar as estruturas cerebrais de forma não invasivas, foram implementadas e permitiram uma melhor compreensão do complexo funcionamento cerebral.
Quanto aos estudos sobre as regiões do córtex pré frontal, destaca-se até hoje o trabalho do psicólogo Alexander Luria no século XX, com pacientes portadores de lesões adquiridas durante a Segunda Guerra. Ele construiu um modelo explicativo dos processos mentais classificados como unidades funcionais, associando o a região frontal do cérebro, destacando-se os lobos frontais como o centro gerenciador de funções cognitivas complexas, como a habilidade de planejamento, regulação das atividades e o monitoramento de comportamentos intencionais (Luria, 1981).
Outro trabalho de imensa contribuição para a compreensão funcional do córtex cerebral e as suas implicações para organização vital dos seres humanos foi da Muriel Lezak, quando em 1982 ela cunha o termo “Funções Executivas”, para denominar um conjunto de habilidades cognitivas localizada na região do córtex pré frontal, essenciais para o comportamento independente, criativo e socialmente construtivo, permitindo a realização de ações do nosso dia a dia, que nos permitem estabelecer, manter, monitorar, corrigir e realizar um plano de ação.
Estudos apontam que lesões em regiões frontais resultam em consideráveis prejuízos sistêmicos que implicam diretamente na regulação do comportamento e das emoções, alterando o jeito de ser das pessoas que sofrem lesões nesta região. Os déficits englobam habilidades de controle de impulsos, flexibilidade metal, categorização, tomada de decisão, funções atencionais, memória operacional, comprometem capacidade de recebimento e processamento de informações do meio. Outro achado importante está correlacionado a cognição social que abrange o processamento de emoções, pensamento e a avaliação de condutas sociais.
O caso de Phineas Gage é emblemático, apesar de trágico, pois acarretou em consequências negativas na vida de Gage devido sequelas irreversíveis “sua capacidade de tomar decisões racionais em termos pessoais e questões sociais foi perdida assim como para o processamento das emoções” (Damásio, 1994).
A sua grave lesão nos lobos frontais permitiu estabelecer um linear comparativo de um padrão de funcionamento antes do acidente e outro após acidente, de uma lesão cerebral geralmente fatal, até então sem casos pares em que o acidentado tenha sobrevivido.
Esse caso resultou em grande contribuição para a medicina no geral e especificamente para a neurociências, pois foi possível registrar em vida, alterações comportamentais, emocionais e associar a uma região específica do cérebro (córtex pré frontal), em uma época onde não era clara essa correlação e a tecnologia ainda não apresentava as ferramentas que temos disponíveis hoje.
Se precisa de ajuda ou está com dúvidas, não deixe de se consultar com profissionais que podem te ajudar.
Referências bibliográficas:
- Andrade, Vivian Maria; Bueno; Santos, Flávia Heloísa dos; Orlando F A. Neuropsicologia Hoje.2 ed. São Paulo. Artmed, 2015.
- Damásio, Antonio R. et al. The Return of Phineas Gage: Clues About The Brain from the Skull of Famous Patient. VOL 264. Science, 1994.
- Faria, Sérgio Henrique. Breve História da Neurociência. Estúdio da Mente, 2019. Disponível em: www.estudiodamente.com.br. Acesso em: 25/06/2020.
- Hamdan, Ame Carvalho; Pereira, Ana Paula de Almeida. Avaliação Neuropsicológica das Funções Executivas: Considerações Metodológicas. Universidade Federal do Paraná. Scielo. 2008.
- Luria, Aleksandr Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981.
- Lezak, Muriel D. et al. Neuropsychological Assessment. ed. 50.Oxford University Press. New York, 2011.
- Phineas Gage. In WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. 25/06/2020. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Phineas_Gage. Acesso em: 25/06/2020.