A partir deste mês, tive a honra de ingressar nas fileiras dos colaboradores para o estudo Mappa, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP).
O foco do estudo são pré-escolares (de 4 anos completos a 6 anos incompletos) com possível diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, ou TDAH.
Pela minha experiência no consultório e mesmo em conversas na vida privada, vejo que o TDAH costuma ser um assunto bastante debatido. A controvérsia, a meu ver, parece ser baseada tanto num grau saudável (e justo) de questionamentos quanto em “picuinhas” teóricas, e até mesmo um bocado de desinformação e teoria da conspiração.
Algumas críticas são bem embasadas: o tratamento medicamentoso para o TDAH (o mais comum sendo o metilfenidato, mais conhecido pelo seu nome comercial, Ritalina) possui a sua cota de efeitos colaterais, e parece, portanto, saudável que pais apresentem resistência à prescrição do remédio em uso contínuo por um um período prolongado para crianças tão jovens.
No entanto, vejo afirmações um pouco estapafúrdias sendo feitas a respeito do metilfenidato. Por exemplo: a de que, por ser um estimulante, seria a mesma coisa que estar dando cocaína a uma criança. Ora, o açúcar também é um estimulante! Assim como o café o é.
O potencial de dependência do metilfenidato é infinitamente que o da cocaína, por exemplo, e os efeitos colaterais a longo prazo também são infinitamente menores. Em suma, dar um estimulante a uma criança não é a mesma coisa que dar outro estimulante, e comparar a administração um remédio sob supervisão médica ao uso de um entorpecente simplesmente porque ambos são psicoestimulantes é apenas uma frase de efeito, fruto de uma generalização espúria (“sweeping generalization”).
Outras me parecem válidas até certo ponto, mas estéreis. Das que entram neste quesito, a principal é a que questiona a existência do diagnóstico de TDAH.
A atenção e o nível de atividade em crianças são funções aferíveis com um nível de distribuição normal* na população geral . É fato que algumas crianças terão um nível de atenção e atividade diferentes que gerarão um prejuízo no aprendizado da mesma.
Caso alguém tenha dúvidas em relação à existência de crianças com TDAH, bastaria um convite à sala de espera do Ambulatório de crianças com TDAH do IPq para perceber a diferença em relação ao nível de atividade usual de crianças da mesma faixa etária.
Estudos eletroencefalográficos recentes demonstrando evidências materiais na diferença entre os níveis de maturação no córtex de crianças com TDAH comparadas a crianças sem o diagnóstico (e com a mesma idade e outras características principais) parecem ter sepultado esta discussão de uma vez por todas dentro do campo da Ciência baseada em evidências, entretanto sei que outras correntes filosóficas descartam esta produção de conhecimento.
Longe de querer desrespeitar este ponto de vista, defendo tão-somente o direito ao estudo e tratamento de pessoas com dificuldades em concentrar-se.
Algumas “teorias da conspiração” mais mirabolantes afirmam que o TDAH seria uma criação da indústria farmacêutica. A afirmação é incorreta pelo simples fato de relatos de casos de crianças com TDAH precederem em muito tempo o advento da psicofarmacologia, e mesmo o aparecimento de qualquer indústria farmacêutica digna de nota. É até possível afirmar que há um sobrediagnóstico de TDAH em algumas partes do mundo (em alguns estados americanos, 10% das crianças são tratadas para TDAH, sendo que a prevalência mundial gira em torno de 5% e parece estável em todas as populações), mas certamente não é o caso do Brasil: um estudo recente descobriu que menos de 10% dos casos de TDAH do município de São Paulo são tratados.
É bem possível que um número de crianças esteja recebendo o diagnóstico (e, consequentemente, o tratamento) de maneira incorreta, mas uma população proporcionalmente muito maior está simplesmente deixando de receber qualquer tipo de atenção ao problema.
Justamente neste contexto, o Estudo em questão cai como uma luva. O questionamento acerca do diagnóstico, como se vê, costuma vir sempre acompanhado do questionamento acerca do tratamento medicamentoso.
Mas e se houvesse um tratamento não-medicamentoso para o TDAH?
O foco do estudo, portanto é a aferição de uma intervenção comportamental para o transtorno. De nome em inglês “Helping the Noncompliant Child” (uma tradução livre seria “ajudando a criança que não se adapta ao meio” – comply é um verbo de tradução um pouco difícil), o método tem encontrado resultados bastante promissores no tratamento de crianças com TDAH e TOD (o transtorno do opositor/desafiador, um diagnóstico sobre o qual podemos falar em um próximo texto).
Até o momento, no entanto, os estudos focavam no tratamento adjuvante da intervenção comportamental ao tratamento medicamentoso: a criança sempre tomava o medicamento e também acabava sendo submetida ao manejo psicoterápico.
O aspecto inovador do Estudo Mappa, portanto, é justamente o fato de o mesmo separar um grupo de pacientes que se submetem ao tratamento medicamentoso e outro que se submete ao manejo comportamental.
Vamos esperar para ver os resultados deste estudo. Caso o mesmo se mostre positivo, acredito que o TDAH iria vencer uma enorme barreira de estigma, e, em última análise, as crianças estariam submetidas a um tratamento mais limpo e seguro.
*Distribuição normal: para título de comparação, pense na distribuição da estatura média de uma população. A curva segue um padrão de “sino” em que a maior parte se distribui em torno do valor médio, e vai se rarefazendo até os extremos superiores e inferiores.
A partir deste mês, tive a honra de ingressar nas fileiras dos colaboradores para o estudo Mappa, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP). O foco do estudo são pré-escolares (de 4 anos completos a 6 anos incompletos) com possível diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, ou TDAH. Pela minha experiência no consultório e mesmo em conversas na vida privada, vejo que o TDAH costuma ser um assunto bastante debatido. A controvérsia, a meu ver, parece ser baseada tanto num grau saudável (e justo) de questionamentos quanto em “picuinhas” teóricas, e até mesmo um bocado de desinformação e teoria da conspiração. Algumas críticas são bem embasadas: o tratamento medicamentoso para o TDAH (o mais comum sendo o metilfenidato, mais conhecido pelo seu nome comercial, Ritalina) possui a sua cota de efeitos colaterais, e parece, portanto, saudável que pais apresentem resistência à prescrição do remédio em uso contínuo por um um período prolongado para crianças tão jovens. No entanto, vejo afirmações um pouco estapafúrdias sendo feitas a respeito do metilfenidato. Por exemplo: a de que, por ser um estimulante, seria a mesma coisa que estar dando cocaína a uma criança. Ora, o açúcar também é um estimulante! Assim como o café o é. O potencial de dependência do metilfenidato é infinitamente que o da cocaína, por exemplo, e os efeitos colaterais a longo prazo também são infinitamente menores. Em suma, dar um estimulante a uma criança não é a mesma coisa que dar outro estimulante, e comparar a administração um remédio sob supervisão médica ao uso de um entorpecente simplesmente porque ambos são psicoestimulantes é apenas uma frase de efeito, fruto de uma generalização espúria (“sweeping generalization”). Outras me parecem válidas até certo ponto, mas estéreis. Das que entram neste quesito, a principal é a que questiona a existência do diagnóstico de TDAH. A atenção e o nível de atividade em crianças são funções aferíveis com um nível de distribuição normal* na população geral . É fato que algumas crianças terão um nível de atenção e atividade diferentes que gerarão um prejuízo no aprendizado da mesma. Caso alguém tenha dúvidas em relação à existência de crianças com TDAH, bastaria um convite à sala de espera do Ambulatório de crianças com TDAH do IPq para perceber a diferença em relação ao nível de atividade usual de crianças da mesma faixa etária. Estudos eletroencefalográficos recentes demonstrando evidências materiais na diferença entre os níveis de maturação no córtex de crianças com TDAH comparadas a crianças sem o diagnóstico (e com a mesma idade e outras características principais) parecem ter sepultado esta discussão de uma vez por todas dentro do campo da Ciência baseada em evidências, entretanto sei que outras correntes filosóficas descartam esta produção de conhecimento. Longe de querer desrespeitar este ponto de vista, defendo tão-somente o direito ao estudo e tratamento de pessoas com dificuldades em concentrar-se. Algumas “teorias da conspiração” mais mirabolantes afirmam que o TDAH seria uma criação da indústria farmacêutica. A afirmação é incorreta pelo simples fato de relatos de casos de crianças com TDAH precederem em muito tempo o advento da psicofarmacologia, e mesmo o aparecimento de qualquer indústria farmacêutica digna de nota. É até possível afirmar que há um sobrediagnóstico de TDAH em algumas partes do mundo (em alguns estados americanos, 10% das crianças são tratadas para TDAH, sendo que a prevalência mundial gira em torno de 5% e parece estável em todas as populações), mas certamente não é o caso do Brasil: um estudo recente descobriu que menos de 10% dos casos de TDAH do município de São Paulo são tratados. É bem possível que um número de crianças esteja recebendo o diagnóstico (e, consequentemente, o tratamento) de maneira incorreta, mas uma população proporcionalmente muito maior está simplesmente deixando de receber qualquer tipo de atenção ao problema. Justamente neste contexto, o Estudo em questão cai como uma luva. O questionamento acerca do diagnóstico, como se vê, costuma vir sempre acompanhado do questionamento acerca do tratamento medicamentoso. Mas e se houvesse um tratamento não-medicamentoso para o TDAH? O foco do estudo, portanto é a aferição de uma intervenção comportamental para o transtorno. De nome em inglês “Helping the Noncompliant Child” (uma tradução livre seria “ajudando a criança que não se adapta ao meio” – comply é um verbo de tradução um pouco difícil), o método tem encontrado resultados bastante promissores no tratamento de crianças com TDAH e TOD (o transtorno do opositor/desafiador, um diagnóstico sobre o qual podemos falar em um próximo texto). Até o momento, no entanto, os estudos focavam no tratamento adjuvante da intervenção comportamental ao tratamento medicamentoso: a criança sempre tomava o medicamento e também acabava sendo submetida ao manejo psicoterápico. O aspecto inovador do Estudo Mappa, portanto, é justamente o fato de o mesmo separar um grupo de pacientes que se submetem ao tratamento medicamentoso e outro que se submete ao manejo comportamental. Vamos esperar para ver os resultados deste estudo. Caso o mesmo se mostre positivo, acredito que o TDAH iria vencer uma enorme barreira de estigma, e, em última análise, as crianças estariam submetidas a um tratamento mais limpo e seguro. *Distribuição normal: para título de comparação, pense na distribuição da estatura média de uma população. A curva segue um padrão de “sino” em que a maior parte se distribui em torno do valor médio, e vai se rarefazendo até os extremos superiores e inferiores.
No Brasil, até meados do século XIX, os pacientes psiquiátricos eram objeto da justiça: os violentos iam para as prisões e os pacíficos perambulavam pelas ruas sem receberem qualquer tipo de tratamento especializado.
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