A psiquiatria nos dias de hoje
A mobilização militar gerada pela Segunda Guerra Mundial, com todo sofrimento que causou, levou naturalmente ao estabelecimento de grandes avanços nas ciências. Na psiquiatria não poderia ser diferente.
Os horrores do front deixavam suas marcas nos corpos, mas também na mente dos soldados que por ele passaram, e alguns referiam não se encontrar em condições psíquicas de retornar ao combate. Avaliações psiquiátricas eram realizadas, e um diagnóstico chamado à época de shell shock (entendido hoje como transtorno de estresse pós-traumático ou TEPT) era, por vezes, dado a este paciente, e outras não.
Ora, perguntavam-se as autoridades, como pode um mesmo paciente passar por duas avaliações diferentes no mesmo dia por dois profissionais igualmente capacitados, e serem tomadas conclusões absolutamente opostas para o dado quadro?
A mentalidade padronizadora dos militares criou o chamado Medical 203, uma espécie de manual para o estabelecimento de um diagnóstico dentro do contexto das Forças Armadas norte-americanas.
Com a desmobilização das tropas após a guerra, alguns dos psiquiatras trouxeram de volta estes manuais e utilizaram-nos na prática civil da psiquiatria, mostrando-se particularmente entusiasmados com a existência dessa espécie de “máximo divisor comum” de diagnósticos da psiquiatria.
Para ocupar este espaço, a Associação Americana de Psiquiatria criou o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), publicado pela primeira vez em 1952.
Pelos quase 30 anos que se seguiram, o DSM manteve-se fielmente alinhado ao establishment psicanalítico (ou, pelo menos, à versão norte-americana desta corrente) da Associação Americana de Psiquiatria, contando com explicações subjetivas e repletas de jargões próprios da psicanálise, como “inconscientes”, “mecanismos de defesa”, “neuroses” etc.
Duas das preocupações mais presentes nessa época eram os julgamentos morais contidos nestes manuais (vide exemplo da homossexualidade, citado na introdução) e a falta de validade e confiabilidade nos critérios diagnósticos estabelecidos.
As duras (e provavelmente merecidas) críticas sofridas pela psiquiatria na época levaram à elaboração de um DSM com uma linha psicopatológica totalmente diferente.
Publicado em 1980, o DSM-III foi um movimento de reaproximação com uma psicopatologia de caráter científico e preocupada com quesitos como replicabilidade, validade, consistência e acurácia da realização de um diagnóstico de acordo com os critérios estabelecidos no manual.
Os manuais subsequentes foram um grande sucesso em termos acadêmicos e editoriais, estabelecendo-se como uma referência mundial para o diagnóstico de transtornos mentais, embora possam ser bastante criticados por sua superficialidade em termos psicopatológicos, como se observou durante o lançamento de sua 5a edição (DSM-5), em 2013.