Paralelamente aos grandes feitos descritos anteriormente, um trabalho menos glorioso, mas igualmente relevante, vinha sendo feito em termos de evolução da compreensão dos transtornos mentais. Em primeiro lugar, era natural que a existência de avanços significativos como os anteriormente descritos estimulasse pesquisadores a se debruçar sobre a área. Em segundo lugar, como já mencionado, a percepção de que a nomenclatura que descrevia os sintomas psicopatológicos era absolutamente confusa foi levando gradativamente a uma maior padronização dela. Os pesquisadores começavam, portanto, a estabelecer uma linguagem de comunicação de mútuo entendimento. Faltava ainda uma relativa padronização dos métodos utilizados para se realizar uma avaliação, e também as ferramentas necessárias para isto.
Neste cenário, surgiu a figura de Karl Jaspers (1883-1969), e sua principal obra no campo da saúde mental, Psicopatologia geral (1913). Neste livro, mais do que a descoberta de uma nova patologia ou classificação diagnóstica, Jaspers se debruça sobre o método empregado para uma avaliação psiquiátrica correta, erigindo preceitos que até hoje se sustentam com solidez intocável.
Um princípio básico estabelecido por Jaspers seria o de um julgamento clínico que não estivesse tingido por um julgamento moral. O examinador, portanto, embora deva se colocar como o ser humano que é perante seu paciente, não deve decidir sobre presença ou não de um transtorno com base na ideia de que este ou aquele pensamento ou comportamento está moralmente errado, e sim na identificação deste como pertencente a uma entidade psicopatológica etc.
Outro pilar do exame psíquico defendido por Jaspers seria o da primazia da forma sobre o conteúdo. O que o paciente está dizendo é geralmente menos relevante que a forma como ele o está comunicando. Conteúdos são mais passíveis de um julgamento parcial, como anteriormente mencionado. Uma paciente que afirma ter tido relações com dois homens na noite anterior pode ser julgada moralmente por seu psiquiatra, mas, por outro lado, a incapacidade dela em responder uma pergunta sem tangenciar o assunto seria uma alteração psicopatológica menos propensa a interpretações pessoais.
Jaspers também seria o responsável por estabelecer uma espécie de hierarquia para as possíveis hipóteses etiológicas que viessem a surgir acerca de um quadro psicopatológico. Primeiramente, é preciso ver se a hipótese passaria pelo crivo de uma teoria explicativa, , isto é, uma causa orgânica que justificasse o quadro. Um paciente que esteja se sentindo sem energia e disposição para realizar suas atividades diárias e que se encontre com um quadro de anemia, por exemplo, deveria ter seus sintomas atribuídos ao quadro orgânico.
Não sendo verossímil a presença de uma causa explicativa (suficiente) para o quadro, pede o autor que se passe pelo crivo de uma teoria compreensiva. O quadro apresentado pelo paciente parece compreensível para o examinador, levando-se em consideração a história biográfica dele?
Para citar um exemplo da distinção entre compreensão e explicação, parece compreensível conceber que um garoto que tenha crescido num contexto de grande negligência e violência física torne-se ele mesmo uma pessoa menos afetuosa e com comportamentos violentos em sua idade adulta. Entretanto, caso ele venha a crer que consegue falar com Deus e controlar os pensamentos de outras pessoas, esse sintoma ultrapassaria o campo da compreensibilidade.
Apenas após esta distinção haveria sentido para interpretações, que Jaspers entendia como a elaboração de qualquer hipótese ou conjectura sobre o fenômeno apresentado pelo paciente que não está acessível ao exame psicopatológico. Por exemplo, no mesmo caso anteriormente mencionado, um psiquiatra pode supor que, quando criança, o paciente sentia medo de ser abandonado por seus pais, e sua vida social restrita nada mais é do que um complexo de ser abandonado pelas pessoas que estima.
Por fim, o autor descreve o principal instrumento do exame psíquico: o próprio indivíduo. Diante de um paciente depressivo, é comum compartilhar um pouco do sofrimento relatado por ele. O discurso impressionista de um paciente com transtorno de personalidade pode gerar uma certa dose de ceticismo, e até mesmo aborrecimento. A reação que o paciente gera é, portanto, um elemento importante do exame psíquico.
Após Jaspers, o principal expoente da escola alemã foi Kurt Schneider (1867-1967). Numa mentalidade prática que já o avizinhava dos manuais diagnósticos da segunda metade do século XX, Schneider tentou organizar as alterações documentadas pela mastodôntica pilha de psicopatologia descritiva em conjuntos de sinais e sintomas relevantes cuja investigação poderia ser replicável por examinadores com maior ou menor grau de experiência.
Em uma de suas principais contribuições para a psiquiatria, Schneider observou que alguns sintomas eram mais indicativos de esquizofrenia que outros. A presença de alucinações auditivas por si só não basta para classificar um quadro como primariamente psicótico, mas, por exemplo, a percepção mental de vozes conversando entre si é bastante sugestiva de um quadro de esquizofrenia. Schneider denominou a estes fenômenos sintomas de primeira ordem.
Paralelamente aos grandes feitos descritos anteriormente, um trabalho menos glorioso, mas igualmente relevante, vinha sendo feito em termos de evolução da compreensão dos transtornos mentais. Em primeiro lugar, era natural que a existência de avanços significativos como os anteriormente descritos estimulasse pesquisadores a se debruçar sobre a área. Em segundo lugar, como já mencionado, a percepção de que a nomenclatura que descrevia os sintomas psicopatológicos era absolutamente confusa foi levando gradativamente a uma maior padronização dela. Os pesquisadores começavam, portanto, a estabelecer uma linguagem de comunicação de mútuo entendimento. Faltava ainda uma relativa padronização dos métodos utilizados para se realizar uma avaliação, e também as ferramentas necessárias para isto. Neste cenário, surgiu a figura de Karl Jaspers (1883-1969), e sua principal obra no campo da saúde mental, Psicopatologia geral (1913). Neste livro, mais do que a descoberta de uma nova patologia ou classificação diagnóstica, Jaspers se debruça sobre o método empregado para uma avaliação psiquiátrica correta, erigindo preceitos que até hoje se sustentam com solidez intocável. Um princípio básico estabelecido por Jaspers seria o de um julgamento clínico que não estivesse tingido por um julgamento moral. O examinador, portanto, embora deva se colocar como o ser humano que é perante seu paciente, não deve decidir sobre presença ou não de um transtorno com base na ideia de que este ou aquele pensamento ou comportamento está moralmente errado, e sim na identificação deste como pertencente a uma entidade psicopatológica etc. Outro pilar do exame psíquico defendido por Jaspers seria o da primazia da forma sobre o conteúdo. O que o paciente está dizendo é geralmente menos relevante que a forma como ele o está comunicando. Conteúdos são mais passíveis de um julgamento parcial, como anteriormente mencionado. Uma paciente que afirma ter tido relações com dois homens na noite anterior pode ser julgada moralmente por seu psiquiatra, mas, por outro lado, a incapacidade dela em responder uma pergunta sem tangenciar o assunto seria uma alteração psicopatológica menos propensa a interpretações pessoais. Jaspers também seria o responsável por estabelecer uma espécie de hierarquia para as possíveis hipóteses etiológicas que viessem a surgir acerca de um quadro psicopatológico. Primeiramente, é preciso ver se a hipótese passaria pelo crivo de uma teoria explicativa, , isto é, uma causa orgânica que justificasse o quadro. Um paciente que esteja se sentindo sem energia e disposição para realizar suas atividades diárias e que se encontre com um quadro de anemia, por exemplo, deveria ter seus sintomas atribuídos ao quadro orgânico. Não sendo verossímil a presença de uma causa explicativa (suficiente) para o quadro, pede o autor que se passe pelo crivo de uma teoria compreensiva. O quadro apresentado pelo paciente parece compreensível para o examinador, levando-se em consideração a história biográfica dele? Para citar um exemplo da distinção entre compreensão e explicação, parece compreensível conceber que um garoto que tenha crescido num contexto de grande negligência e violência física torne-se ele mesmo uma pessoa menos afetuosa e com comportamentos violentos em sua idade adulta. Entretanto, caso ele venha a crer que consegue falar com Deus e controlar os pensamentos de outras pessoas, esse sintoma ultrapassaria o campo da compreensibilidade. Apenas após esta distinção haveria sentido para interpretações, que Jaspers entendia como a elaboração de qualquer hipótese ou conjectura sobre o fenômeno apresentado pelo paciente que não está acessível ao exame psicopatológico. Por exemplo, no mesmo caso anteriormente mencionado, um psiquiatra pode supor que, quando criança, o paciente sentia medo de ser abandonado por seus pais, e sua vida social restrita nada mais é do que um complexo de ser abandonado pelas pessoas que estima. Por fim, o autor descreve o principal instrumento do exame psíquico: o próprio indivíduo. Diante de um paciente depressivo, é comum compartilhar um pouco do sofrimento relatado por ele. O discurso impressionista de um paciente com transtorno de personalidade pode gerar uma certa dose de ceticismo, e até mesmo aborrecimento. A reação que o paciente gera é, portanto, um elemento importante do exame psíquico. Após Jaspers, o principal expoente da escola alemã foi Kurt Schneider (1867-1967). Numa mentalidade prática que já o avizinhava dos manuais diagnósticos da segunda metade do século XX, Schneider tentou organizar as alterações documentadas pela mastodôntica pilha de psicopatologia descritiva em conjuntos de sinais e sintomas relevantes cuja investigação poderia ser replicável por examinadores com maior ou menor grau de experiência. Em uma de suas principais contribuições para a psiquiatria, Schneider observou que alguns sintomas eram mais indicativos de esquizofrenia que outros. A presença de alucinações auditivas por si só não basta para classificar um quadro como primariamente psicótico, mas, por exemplo, a percepção mental de vozes conversando entre si é bastante sugestiva de um quadro de esquizofrenia. Schneider denominou a estes fenômenos sintomas de primeira ordem.
No Brasil, até meados do século XIX, os pacientes psiquiátricos eram objeto da justiça: os violentos iam para as prisões e os pacíficos perambulavam pelas ruas sem receberem qualquer tipo de tratamento especializado.
A Mancini Psiquiatria e Psicologia oferece soluções customizadas em Saúde Mental para a sua empresa, desde a detecção e tratamento de transtornos psiquiátricos e psicológicos até diagnósticos e intervenção sistêmicos da identidade corporativa.