COMO FREUD EXPLICA A MÚSICA DE CHICO BUARQUE?
O Que Será (A flor da Terra) Chico Buarque
Composição: Chico Buarque & Milton Nascimento
O que será que me dá que me bole por dentro
Será que me dá
Que brota a flor da pele será que me dá
E que me sobe as faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo me faz implorar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será
Que dá dentro da gente que não devia
Que desacata a gente que é revelia
Que é feito aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos toda alquimia
Que nem todos os santos será que será
O que não tem descanso nem nunca terá
O que não tem cansaço nem nunca terá
O que não tem limite
O que será que me dá
Que me queima por dentro será que me dá
Que me perturba o sono será que me dá
Que todos os ardores me vem atiçar
Que todos os tremores me vem agitar
E todos os suores me vem encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem juízo
Análise da música
A música “O que será” foi composta em 1976 por Chico Buarque para o filme “Dona Flor e seus dois maridos” de Bruno Barreto.
A letra da música fala basicamente de pulsão sexual, conceito proposto por Sigmund Freud e que move, em todos os níveis, as pessoas a algo “sem juízo”. Retomando este conceito que introduz sua teoria, pulsão é a perversão do instinto, daquilo que é necessidade básica da ordem do biológico. Ela é uma marca singular, de cada sujeito e diferencia o humano do animal porque o sujeito vai constituir, edificar um psiquismo através do investimento do outro.
Inicialmente a psicanálise acreditava que a pulsão tem origem numa excitação no corpo, num estado de tensão e, esta deve tomar um destino, de forma a ser removida (sublimação). Mais tarde, perceberam que não era apenas uma excitação do corpo, mas também uma excitação psíquica. O objeto fará com que a excitação seja aliviada e escoada para outro lugar. Apesar de toda a música falar sobre o tema pulsão, a estrofe “O que será que será, que dá dentro da gente e não devia, que desacata a gente que é revelia, que é feito aguardente que não sacia (…)” exemplifica exatamente o que é a pulsão: algo que acontece independentemente de nosso querer; uma agitação incontrolável.
A mãe, no início do desenvolvimento infantil, é supostamente a pessoa que suprirá essas necessidades de fome e amor do bebê e, por este motivo, a mãe será a primeira “escolha objetal” que terá grande importância na formação da personalidade da criança. A escolha de objeto regride a uma identificação, é o que acontece no Complexo de Édipo. Tal Complexo é baseado no mito grego Édipo Rei, à preferência velada do filho pela mãe, acompanhada de uma aversão clara pelo pai. No mito, Édipo matou seu pai Laio e desposou a própria mãe, Jocasta. O complexo de Édipo é uma referência à ameaça de castração ocasionada pela destruição da organização genital fálica da criança, radicada na psicodinâmica libidinal, que tem como pano de fundo as experiências libidinais que se iniciam na retirada do seio materno.
Quando falamos de objeto, falamos também das primeiras organizações da libido (que tem por objetivo a obtenção de prazer), pois a pulsão será organizada de acordo com o órgão do corpo que tiver primazia. Trata-se das fases pré-genitais: oral (boca como zona erógena), anal (controle das funções esfincterianas), fálica (descoberta dos genitais e consequentemente angústia de castração) e fase genital (organização sexual definitiva que se estabelece após a puberdade). Entender a fase fálica é essencial quando falamos sobre a origem da angústia.
Segundo Freud, o nascimento representa a primeira angústia ou angústia original: quando o bebê é separado de sua mãe; a partir desta primeira experiência de angústia, tanto o menino quanto a menina irão temer sua reprodução, a separação do seio da mãe representa a não satisfação de suas necessidades, o menino temerá a castração e a menina a perda do amor. O mito de Édipo fundamenta a teoria de Freud de que o menino teme ser castrado pelo pai como consequência de ter se apaixonado por sua mãe e, na menina o complexo equivale à perda do amor (já que, por não possuir o pênis, ela supõe já ter sido castrada). (CONTINUA…)