Medo de doença
João é um adulto de quase 30 anos que entra no consultório do psiquiatra de maneira relutante. Traz consigo uma pasta cheia de exames. Nos últimos 6 meses ele havia passado em mais de 50 médicos diferentes, realizou inúmeros exames, procurou o pronto-socorro várias vezes e ficou internado algumas delas.
Ele tinha convicção de que era portador de alguma doença grave e ocasionalmente sentia algumas dores em partes diferentes de seu corpo. Vasculhava repetidamente todo seu corpo à procura de alterações que pudessem significar alguma doença. Diante de qualquer sintoma ou modificação que notasse, agendava com brevidade alguma consulta médica ou corria para o pronto-socorro, se não conseguisse a consulta naquele mesmo dia. Os exames iniciais não mostravam nenhuma alteração e João insistia (algumas vezes até de maneira hostil) com os médicos para que solicitassem cada vez mais e mais exames.
Nas últimas vezes em que fora atendido, os médicos lhe recomendaram uma avaliação psiquiátrica, porém ele sempre se recusava. Achava que o médico não estava investigando adequadamente e que o psiquiatra não poderia, pois, lhe ajudar.
Contudo, João não conseguiu trabalhar nesse período pelas buscas frequentes por serviços de saúde. Além disso, sua vida em família estava cada vez mais conturbada, pois seus irmãos começaram a se afastar dele, não aguentavam mais ouvi-lo falar sobre as doenças que acreditava ter. Dessa forma, um dos irmãos insistiu que ele fosse ao psiquiatra.
Contrariado, João acabou aceitando, mas já tinha em mente que conseguiria provar ao psiquiatra que os outros médicos não haviam realizado toda a investigação necessária.
A história acima descrita é fictícia, no entanto, ela é ilustrativa de uma situação que acontece com certa frequência. Trata-se de uma condição historicamente conhecida por Hipocondria, que nos manuais diagnósticos mais recentes acaba sendo denominada de Transtorno de Ansiedade por Doença.
É natural que nos preocupemos com nossa saúde e busquemos por auxílio profissional para prevenir, tratar e reabilitar diferentes condições que podem nos afetar. Todavia, em alguns indivíduos, essa preocupação com a saúde começa a se tornar excessiva – e o sujeito começa a acreditar fortemente que é portador de alguma doença grave que ainda não foi diagnosticada.
Tal convicção traz importante ansiedade ao indivíduo, que começa a gastar grande parte de seu tempo com as preocupações envolvendo sua saúde. É comum que a pessoa desenvolva alguns comportamentos para tentar lidar com essa ansiedade, como verificações frequentes de seu corpo, buscas repetidas por serviços de saúde, realização de incontáveis exames e procedimentos. Muitas vezes, acaba inclusive se submetendo a exames invasivos desnecessariamente e, mesmo diante dos resultados normais dos exames, o sujeito se sente insatisfeito. Nesse caso, dizemos que se trata de um transtorno de ansiedade por doença do tipo busca de cuidado.
Contudo, em outros casos, diante da ansiedade elevada, o sujeito começa a evitar passar em consultas médicas (mesmo nas preventivas e de rotina) e em serviços de saúde com medo de que se concretize o diagnóstico que tanto teme. Assim, denominamos de transtorno de ansiedade por doença do tipo evitação de cuidado.
É comum que essas preocupações constantes acabem prejudicando diversas áreas da vida do sujeito. Grande parte de sua energia é deslocada para o foco de sua saúde, enquanto outras esferas da vida acabam sendo deixadas de lado – sua família, seu emprego, seus estudos, seus relacionamentos, suas amizades.
Infelizmente, mesmo diante de tamanho sofrimento, é comum que a pessoa recuse uma avaliação psiquiátrica e a assistência de uma equipe de saúde mental. O sujeito tende a demorar para aceitar o diagnóstico psiquiátrico (por inúmeros motivos, como preconceitos e medos), o que acaba atrasando o tratamento que ele poderia receber. Desse modo, diante de uma preocupação tão grande com sua saúde, o indivíduo pode deixar de lado um aspecto crucial em sua existência: sua saúde mental.
1 Comment
Anete Mancini
Muito bom. Obrigada